Há muitos momentos em que sentimos, nos comportamos de um modo que não sabemos explicar por quê. Existem sabores que fazem surgir sentimentos de uma saudade inesperada, ou felicidade. Cheiros e toques que excitam nossos corpos sem explicação. Sons que desencadeiam sentimentos de tristeza profunda. Ou relações em que nos percebemos em reações constrangedoras a partir de gestos aparentemente tão simples.
Somos seres constituídos também por uma dimensão interna. Tratar de uma dimensão é considerar uma extensão organizada por uma estrutura, ou seja, características, sentimentos, emoções, comportamentos, crenças, representações que constituem uma personalidade. Olhando desse modo, não é possível falar do ser humano sem considerar nele uma intimidade.
Exatamente por identificarmos manifestações ou efeitos desconhecidos em nossas relações, que podemos pensar que muito do que manifestamos provém de uma dimensão inconsciente. Nesse aspecto, reconhecer o caráter inconsciente do ser humano é considerar que muito do que vivemos, desejamos e realizamos provém dessa dimensão interna, de tal modo que é necessário questionarmos se o que vivemos, até agora, é mais resultado do nosso querer ou de escolhas realizadas pela força ativa e reativa dos sentimentos, emoções e desejos desconhecidos.
Olhando por esse ângulo, se há em nós uma área interna desconhecida, então precisamos reconhecer que o ser humano seja, possivelmente, a questão mais importante que ainda não respondemos, sobretudo, para nós mesmos. E que tal questão não pode ser respondida sem o desenvolvimento de autoconhecimento, pois, mais do que construir conhecimento sobre o mundo, no autoconhecimento desenvolvemos conhecimento sobre nós mesmos ou sobre a pessoa que nos manifesta. Tarefa intransferível.
O ser humano é o ambiente que comporta uma certa presença que chamamos de alma, espírito ou “Eu”. A partir do nascimento normalmente representamos esse “Eu” com uma palavra ou nome. Com o tempo, o desenvolvimento da personalidade passa a oferecer uma roupagem social a partir da qual nos sentimos um pouco mais definidos: filho, pai, mãe, professor, médica, educadora. Contudo, o que sustenta essa roupagem social? Ou o que está invisível, embaixo dessa roupagem? Quais as repercussões do desconhecimento dessa área interna?
Para responder tais questões, a Educação de Essencialidades do Sistema Tempo de Ser propõe, de modo didático, que o homem é um ser trino, ou seja, organizado em três dimensões. Segundo Wildemberg e Costa, o homem é “um ser psíquico, com padrões psicológicos e manifestações fisiológicas” [1]. E talvez, nesse ponto do texto, você esteja pensando – hum! Fale mais sobre isso. Vamos juntos!
Que tal começar pelo que é mais evidente? E o que poderia ser, senão o corpo? O que surge de dentro de uma fêmea é o corpo de um filhote humano, organizado a partir de toda a complexidade que envolve a anatomia e a fisiologia de um corpo humano. Assim, quando manifestamos qualquer coisa, como um pensamento, sentimentos, desejos, sons, palavras, gestos, cheiros, isso só é possível porque temos corpo – campo de manifestação do ser humano. A essa área chamamos de dimensão ou área fisiológica, área de manifestação de conteúdos conscientes ou inconscientes da nossa dimensão interna.
Sabem aqueles comportamentos repetitivos que identificamos no outro e em nós mesmos? Então, o ser humano é organizado a partir de sentimentos, emoções e padrões comportamentais presentes em qualquer indivíduo humano. Ou você vai dizer que não se comporta com mágoa, orgulho e inveja!? A área psicológica é uma dimensão interna constituída por tudo o que o texto descreveu acima – sentimentos, emoções, comportamentos, padrões comportamentais; um vasto conteúdo inconsciente e definitivamente atuante em nossos dramas humanos.
O termo psíquico tem raízes no termo grego psique, que podemos traduzir como alma, espírito, consciência, que se refere, de modo geral, a uma espécie de “Eu”, ou seja, aquilo que me faz sentir como sendo uma unidade ou eu mesmo. E, nesse caso, para essa presença mais abstrata, Wildemberg e Costa afirmam que se trata de uma força psíquica que “não pode ser visualizada de maneira direta, mas por suas manifestações (…): uma psicológica e outra fisiológica” [2].
É da natureza da força psíquica sentir. É aqui que repousa aquilo que nos singulariza: a capacidade de sentir em cada um é única. Assim, a sensibilidade que caracteriza esse “Eu” é que permite sentir e observar a dimensão interna e inconsciente, em si mesmo, para saber.
Ora, se o sentir demonstra o que nos torna únicos, como temos sentido o ser humano em nós mesmos? Como nos temos comportado e agido, conosco mesmos, a partir do que manifestamos no meio? Temos alimentado um profundo interesse pela própria humanidade, para compreendê-la, ou temos negado com força? Quais as implicações no meio de que fazemos parte a partir desse modo de nos tratarmos a nós mesmos?
Se o homem é um ser trino, que sente (área psíquica) sentimentos, emoções, comportamentos e padrões comportamentais (área psicológica) e manifesta (área fisiológica) no meio em que vive, então, o desconhecimento dessas dimensões ou áreas implica que os prazeres e os dramas dolorosos vividos são internos e desconhecidos. E a repercussão de tal desconhecimento é a organização de relacionamentos, grupos e uma sociedade dirigida por áreas internas inconscientes, constituindo dramas, dores, sofrimentos, prazeres e alegrias cujas razões são desconhecidas.
Não seria o ser humano o maior horizonte desconhecido e merecedor da nossa compreensão? Não é a questão mais espiritual a ser desenvolvida? Não seria a compreensão da própria humanidade o caminho para compreender-se toda a humanidade? Mas como realizar tal desafio sem considerarmos que uma dimensão interna aguarda nosso mergulho? Conhece-te a ti mesmo.
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[1] WILDEMBERG, Marlete; COSTA, Lucas. Inteligência mediúnica: novos horizontes da sensibilidade. – São Paulo: Comissão Gestora do Projeto Tempo de Ser, 2012, p.64.
[2] Ibidem, p.63.
Apesar do cunho religioso “espiritista” o artigo tem muito de científico.
Sempre será um prazer ler e reler esses temas com conteúdos de grande valia e importância para o desenvolvimento do autoconhecimento.
Parabéns mais uma vez Marlete.