O sol ascende no horizonte lançando luz sobre a vegetação rasteira. Muito perto, um grupo de homens primitivos observam, próximos de árvores baixas, a presença de uma certa magia que faz balançar as folhas, a copa, e que, ao mesmo tempo, permite sentir-se o cheiro dos animais na proximidade.
Enquanto alguns avançam, outros ficam mais atrás, devido ao medo que sentem do desconhecido e dos perigos dos predadores que dividem a mesma área da savana. Os homens avançam com pedras lascadas nas mãos, pois estão com os olhos fixos em um grupo de animais. A fome é dolorosa, exigente e os expõe aos perigos do ambiente.
A ansiedade toma conta do grupo, a tensão gerada pelo medo e pela necessidade de comer é grande. A reação é inevitável e o grupo rompe na direção dos animais; o que não esperavam é que tanto quanto eles observavam a caça, outros predadores os observavam. Um dos integrantes humanos é abatido, morto, e o bando precisa fugir sem a caça.
Quantas mortes foram necessárias, ou quantos desafios perigosos ofereceram à espécie humana, tão frágil fisicamente perante os predadores, a oportunidade e capacidade de aperfeiçoar a sobrevivência? A espécie predominou mais pela capacidade de organizar-se em grupos, pela velocidade de reprodução e pela inteligência do que pela força bruta.
Foi pela inteligência, sobretudo, que a espécie se tornou o maior predador do planeta. Dominamos a natureza das savanas, seus perigos e desafios. Por milhares de anos, as próximas gerações observaram, conheceram e aprenderam sobre o funcionamento das leis da natureza. Amadurecemos como espécie porque enfrentamos os perigos do desconhecido das savanas. Certo. E que relação há com o autoconhecimento?
A espécie humana é uma entre tantas outras que habitam o planeta. Cada indivíduo humano traz dentro de si, na sua organização genética, fragmentos de inúmeras experiências validadas ao longo da história e evolução das espécies. Isso significa que todo ser humano tem dentro de si informações hereditárias, características e necessidades oriundas do homem primitivo. Portanto, reconhecer que trazemos dentro de nós um animal com traços primitivos é reconhecer que a organização da intimidade humana, sentimental e emocional, está constituída, também, com base nos mesmos traços primitivos.
Segundo Wildemberg e Costa, da “primitividade à atualidade a humanidade constantemente procura superar aquilo que identifica como incômodo, e foi justamente na tentativa de eliminá-lo que as sensações experimentadas no decorrer do aprimoramento da sobrevivência, na luta contra a morte, foram acumuladas em sua memória biológica e que hoje repercutem no mundo íntimo (…) como sentimentos” [1].
O temeroso mundo desconhecido e perigoso não são mais as savanas que nossos ancestrais frequentaram, conheceram e dominaram. As repercussões da nossa intimidade, nas mais diversas circunstâncias da vida e do nosso dia a dia, demonstram que nos tornamos sobreviventes emocionais. Há uma savana emocional, desconhecida e sentida por cada um de nós com temor ante os perigos que a intimidade esconde na inconsciência.
Segundo as psicólogas Carvalho e Zacarias, “da mesma forma que possuímos um sistema imunológico que (…) age e reage para defender e preservar a nossa estrutura fisiológica de tudo que considera intruso ou agressor, criamos sistema de defesa psíquico que, igualmente, atua de forma inconsciente”[2] nos defendendo de conteúdos sentimentais e emocionais que não damos conta.
A necessidade de defesas internas corresponde à condição de nossa maturidade emocional. O quanto conhecemos e sabemos lidar com nossas emoções demonstra que, apesar de adultos, apresentamos traços infantis. Ou, como argumentam Carvalho e Zacarias (2012) que, apesar de apresentarmos um corpo adulto, somos dominados por um sentir e padrões de comportamentos infantis, manifestando, no meio e na sociedade, ações e reações agressivas como se tivéssemos diante de um predador.
Desejos proibidos incorporam nossa vontade concretizando verdadeiros dramas sentimentais. A incapacidade de lidar com a fragilidade emocional impulsiona nosso olhar para nós mesmos e para o outro como inimigos que precisam ser abatidos. Fazemos do campo das relações um campo de ataque, defesa e fuga, embora a ameaça seja sentida na intimidade.
Ora, onde mora o perigo? Onde estão os predadores do homem atual? Tanto quanto o homem um dia percorreu as savanas externas, a savana emocional aguarda que estejamos dispostos a explorar sua extensão, natureza, perigos, prazeres, desejos, aceitando os desafios e os enfrentamentos necessários para amadurecermos.
O que pode surgir quando cada um de nós decidir enfrentar a savana emocional desconhecida que trazemos em nossa intimidade? O que o conhecimento sobre ela pode proporcionar-nos? Não seria a capacidade de gerir seus recursos de maneira digna? O desafio nos aguarda, vamos começar?
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[1] WILDEMBERG, Marlete; COSTA, Lucas. Inteligência Mediúnica: novos horizontes da sensibilidade. – São Paulo: Comissão Gestora do Projeto Tempo de Ser, 2012, p.31.
[2] CARVALHO, Claudia; ZACARIAS, Claudia. Prisioneiros da infância. – São Paulo: Comissão Gestora do Projeto Tempo de Ser, 2012, p.185.
Gratidão por este excelente texto que contribui para o aprimoramento, para o autoconhecimento e amadurecimento pessoal!
Realmente é muito gratificante poder contar com textos incríveis como esse.