Já observou, hoje, a vida dentro de você? Suas dores e felicidades? As banalidades? Seus amores e inimizades? Seus desejos realizados e não realizados? Viu a própria imagem no espelho e constatou a ação da gravidade e do tempo sobre a sua pele, seu rosto, seus olhos, seu corpo? Sentiu o tempo movimentar-se no fluxo de seus sentimentos e emoções, alimentando-se de cada segundo, minuto e hora? Percebe a sua história se esvair a cada instante da sua vida? Tem noção de que pode deixar de estar aqui a qualquer momento e que todos os sentidos e significados adotados ao longo da existência, até agora, deixarão de fazer sentido nos limites da própria morte?
Se nos pudéssemos transportar, por um breve momento, até Roma, no início da era cristã, e nos deparássemos com um homem chamado Sêneca [1], certamente encontraríamos um pensador dedicado a refletir e pensar sobre as paixões humanas e a brevidade da vida. Como observadores do passado ouviríamos dele, a respeito da vida e da morte, que “deve-se aprender a viver por toda vida e, por mais que te admires, durante toda a vida se deve aprender a morrer” [2].
O pensamento de Sêneca é provocativo porque coloca a vida e a morte como experiências da aprendizagem, ou seja, é necessário reconhecer que não sabemos. E, mais ainda, condição para aprender a viver por toda a vida exige aprender a morrer.
Reconhecer que iremos morrer impõe-nos a questão: para que viver? Nesse ponto é necessário destacar que essa questão não pode ser respondida com profundidade sem que ela seja digerida na intimidade de cada um, exatamente porque o que se pergunta, mais profundamente, é: qual o sentido da vida se é inevitável morrer?
Cada ser humano é portador de finitude. A existência é uma espécie de entrelinhas entre um nascimento inconsciente e o último ato desconhecido da vida: a morte. Isso quer dizer que o que chamamos de vida é uma passagem entre dois extremos desconhecidos.
Como espécie, tentamos gerar eternidade reproduzindo corpos e legando às próximas gerações diversos sentidos para a vida através das tradições, culturas, práticas e informações para sobreviver-se o máximo possível até à morte. E até agora temos tido sucesso já que a espécie humana ainda permanece.
Considerando o que foi escrito, até agora, podemos concluir que o sentido, isto é, o ponto a partir do qual miramos nossa necessidade de viver é a morte, já que tudo o que nos envolve exige evitarmos – a todo custo – a inevitável morte – e, se possível, melhor nem pensar nela, mas já que chegamos nessa linha e parágrafo – coragem! Vamos em frente!
Em Teogonia, poema mitológico escrito por Hesíodo, antes de Cristo, Cronos é gerado como deus do tempo. Como divindade suprema do tempo, ele devora seus filhos por sentir-se ameaçado de ser, futuramente, destronado. O que podemos extrair do símbolo grego do tempo é essa noção de que tempo nos devora. O tempo devora nossos segundos, instantes, prazeres, dores, ilusões, paixões, amores, nossa juventude, nossos sentidos e a própria vida, até o abismo da morte.
Viver, portanto, exige lidar-se com a morte. Pode parecer mórbido, em um primeiro momento, mas pense: se viver implica aprender a olhar para a morte inevitável, não é exatamente esse olhar que exige, também, de nós a necessidade de olhar para a vida? A partir desse ponto de vista, reconhecer-se como um ser-para-a-morte é reconhecer-se como um ser-para-a-vida.
Interessar-se pela nossa brevidade na existência é o mesmo que experimentar espanto ou certo estranhamento pela existência. Quando estamos tomados pela consideração, pensamento ou sentimento de morte, exigimos vida e questionamos o que ela é em meio a certezas frágeis que escondem tantas incertezas e ignorância sobre o que seja a vida e o viver. Quando reconhecemos nossa finitude é inevitável sensibilizar-nos pela fragilidade humana e questionar: Qual o sentido disso tudo?
Quando, nesse ato, questionamos o sentido da vida, a partir do estremecimento que a finitude nos provoca, há uma direção que a questão nos aponta e que está além das respostas, da vida cotidiana, do mundo exterior. O único lugar em que a questão encontra ressonância é em nossa intimidade.
Vendo desse modo, sentir, pensar e reconhecer a própria finitude é a possibilidade de reconhecermos dentro de cada um de nós uma vida autêntica, singular. Ou seja, aprender a viver exige de nós que aprendamos a morrer.
Ora, mas como chegar até esse ponto desconhecendo a si mesmo? O Autoconhecimento é o caminho a partir do qual a finitude pode provocar – dentro de nós – a investigação do sentido da vida. E o sentido da vida, também, é capaz de provocar a necessidade de esclarecer as razões de nossa finitude.
E podemos, mais, estabelecer o autoconhecimento como uma postura de vida. Reconhecendo a existência e seus extremos, nascimento e morte, como objetos de nossa investigação para compreendermos a vida que somos. Vamos começar?
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[1] Filósofo, dramaturgo, político e escritor Lúcio Anneo Sêneca viveu no início da era cristã (4 a.C – 65 d.C.).
[2] Sêneca. Sobre a brevidade da vida. Tradução Lúcia Sá Rebello, Ellen Itanajara Neves Vranas, Gabriel Nochi Macedo – Porto Alegre, RS: L&PM, 2010, p.41.