A Disney Pixar lançou, em julho deste ano, no Brasil, a animação “Divertida Mente”, que tem atraído tanto espectadores jovens quanto adultos. Crescer pode ser uma jornada turbulenta e, com a protagonista de “Divertida Mente”, não é diferente. A história mostra a tumultuada, confusa e imprevisível mente de uma garotinha de 11 anos, chamada Riley. A diversão fica por conta dos “bastidores”, os funcionários que trabalham nas cabeças dos pais e da jovem mal-humorada. As mentes são comandadas por um quartel general de emoções: Alegria, Medo, Raiva, Nojinho (ou Aversão) e Tristeza.
Riley é também uma garota divertida, mas que deve enfrentar mudanças importantes em sua vida quando seus pais decidem deixar a sua cidade natal, no estado de Minnesota, para viver em São Francisco.
Dentro do cérebro de Riley convivem essas diferentes emoções, tendo como líder a Alegria, que se esforça bastante para fazer com que a vida de Riley seja sempre feliz.
Entretanto, uma confusão na sala de controle faz com que ela e a Tristeza sejam expelidas para fora do local. Agora, elas precisam percorrer as várias ilhas existentes nos pensamentos de Riley para que possam retornar à sala de controle e, enquanto isto não acontece, a vida da garota muda radicalmente.
O EducArte chama a atenção para a reflexão sobre “Divertida Mente”, realizada pela psicóloga e doutora em Ciências da Religião, Clarissa de Franco. Confira.
O desafio de amadurecer
A animação Divertida Mente traz deliciosas descobertas para crianças, jovens e adultos. Mas a principal delas é a tentativa de compreensão da complexidade da mente e do funcionamento da personalidade, por meio da perso-nificação das vozes que todos temos dentro de nós. Algumas vozes majoritárias foram escolhidas pelo roteirista para estarem no painel de controle da mente humana, são elas: Raiva, Nojinho, Medo, Alegria e Tristeza.
Não por acaso, a Alegria está à frente das demais emoções no controle da mente da protagonista do filme, a garotinha Riley. Afinal, Alegria tem ânimo, iniciativa, consegue enxergar o lado positivo das situações e vê a si mesma como guardiã das boas memórias da pré-adolescente, que está em vias de ver sua vida totalmente transformada.
As memórias surgem a partir dos acontecimentos, das escolhas e das emoções sentidas durante os fatos da vida. A Alegria se esforça para garantir que as memórias-base de Riley, que dão estrutura à mente da garota e que servem de apoio para todas as demais vivências dela, não sejam contaminadas pela Tristeza. Por esse motivo, em uma boa parte do filme, a Alegria tenta afastar a Tristeza das memórias, principalmente as de longo prazo e as memórias-base. Com isso, vê-se a Tristeza ainda mais desanimada, por ela sentir que sua participação na mente de Riley é sempre negativa ou nula.
Conflitos de emoções no filme representam passagem para a adolescência
E eis que um acontecimento promove mudanças significativas e estruturais nessa situação: os pais de Riley decidem mudar-se para a cidade de São Francisco e toda a estrutura de memórias e emoções da garota, de 11 anos, entra em colapso. As ilhas da personalidade começam a ruir: amigos e família deixam de ser uma referência positiva, o talento para o hóquei não mais encontra lugar de realização, o bom humor e as brincadeiras já não fazem mais sentido. Tudo isso é acompanhado de uma bagunça interna: A Alegria e a Tristeza são sugadas para fora da torre de controle da mente de Riley em mais um momento de disputa pela preservação das memórias. Sem a Alegria e a Tristeza, as demais emoções ficam confusas e teme-rosas em relação às decisões da torre de comando, e a garota torna-se depressiva, sem clareza do que quer e do que sente. Uma bela metáfora da passagem da infância para a adolescência, aproveitada pelo diretor Peter Docter, que viu sua própria filha vivenciar situações estranhas e duras nesse momento da vida.
Uma jornada perigosa se inicia em busca de assumir novamente esse controle da mente. Tentando resgatar o conhecimen-to que Riley tem sobre si mesma e recu-perar o sentido de sua personalidade, a Alegria e a Tristeza visitam lugares curiosos, como o “Labirinto das Emoções”, o “Trem do Pensamento” e o estúdio no qual se gravam os sonhos.
Por outro lado, também conhecem lugares escuros e difíceis da mente, como o “Subconsciente” e o “Abismo do Esquecimento”, enquanto percebem que as ilhas da personalidade, que sustentam a mente da garota, vão sucumbindo ao caos e caem, uma a uma, nesse abismo que varre as memórias para sempre. A Alegria e a Tristeza encontram, pelo caminho, o Amigo Imaginário de Riley e o momento em que ele desaparece em definitivo junto às reformulações da maturidade. É o ponto central do filme. Para os adultos, dói no coração o desaparecimento do Amigo Imaginário, como um símbolo de fim da infância.
Paralelamente à busca da Tristeza e da Alegria, pela volta ao controle da mente, a menina Riley passa a agir pelas emoções que a dominam: raiva, medo e nojo, e decide fugir de casa, voltando para Minnesota, sua antiga cidade. Dentro e fora da mente, percebe-se uma luta contra o tempo, a busca por algum sentido que reestruture as ações da garota de 11 anos, antes que algo definitivo e perigoso aconteça a ela.
Viver significa lidar com as emoções
Já quase no fim das esperanças, a Alegria consegue sair do “Abismo do Esquecimento”, a partir de uma canção ditada pelo Amigo Imaginário e tem a grande percepção conciliadora e salvadora: não se deve negar a Tristeza ou nenhuma emoção. Foi justamente nos momentos de tristeza de Riley que as outras emoções chegaram e que algumas memórias-base da garota se estruturaram. A Alegria entende, nesse momento, que todas as emoções precisam ser vividas e integradas às experiências, e dessa integração depende a elaboração de sentido para continuar-se a viver. Nem só de alegria se vive, mas ela pode confortar as horas tristes, dar esperança quando se tem medo, ou oferecer uma perspectiva diferente da raiva e do nojo.
A grande sacada da personagem Alegria e do filme Divertida Mente é que o sentido se dá pela aceitação e integração e não pela negação, afastamento ou esquecimento. Assim, todas as emoções devem estar presentes para que as memórias-base se tornem sólidas e Riley possa lidar com os desafios da maturidade que exigem adaptação e transformação. Desenvolver-se é, na verdade, integrar opostos, construir em cima do que se vive, sem jogar fora a dor como uma experiência de sentido. “Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma… Apaixonante e colorido, Divertida Mente é uma lição de psicologia para todas as idades. E que venham os novos desafios e labirintos.”
Fonte: http://www.personare.com.br/divertida-mente-fala-sobre-o-desafio-de-amadurecer-m6313